METAMORFOSE
Não importava o sol abrasador
que torrava os miolos. Não importava o odor terrível que emanava daqueles
latões de lixo, tanto que até urubus passavam por perto usando máscaras. Mas
Demétrio não se importava; lá estava todos os dias mexendo em tudo, catingando
ele próprio mais que os restos ali depositados. Seu corpanzil há anos não sabia
o que era a carícia das águas que não fosse da chuva. Carregava moscas pelo rosto
todos os dias, como se fosse um lotação de insetos, sendo algumas também
embarcadas nas orelhas. Vivia, comia e dormia na imundície, lugar mais sujo
impossível. O corpo adornado de perebas já nem se importava mais. Assim foi por
muitos e muitos anos. Porém um dia acordou sentindo-se estranho, muito
diferente. Olhou para algumas ratazanas com segundas intenções. Estava dentuço
e peludo. Tinha agora os gostos de um rato, bigodes de rato, orelhas de rato,
dentes de rato, enfim, transformara-se num rato. Ao contrário do caixeiro-
viajante Gregor Samsa, de Kafka, o Demétrio rato estava feliz. E assim
continuou vivendo por mais alguns dias até ser comido por um gato esfomeado.