Thursday, October 25, 2012

O VOO


O VOO
Tomas dormia durante o voo. A aeronave estava em velocidade de cruzeiro quando ele acordou. Após olhar detalhadamente em volta percebeu algo estranho. Naquele voo pareciam estar reunidas inúmeras pessoas famosas já falecidas. Ao seu lado, por exemplo, estava um passageiro que era sósia do Mahatma Ghandi. Do outro lado do corredor viu com clareza Airton Senna gargalhando ao brincar com amigos. Alguma coisa diferente acontecia. Quando foi ao banheiro deu de frente com uma pessoa muito conhecida aos católicos, o Papa João Paulo II, que pelo dizeres do crachá era o co-piloto do avião. Quando Madre Tereza de Calcutá, uniformizada de aeromoça passou com o carrinho de lanche pelo corredor, Tomas ficou pálido e perguntou ao senhor ao lado o que estava acontecendo naquele avião. O ancião olhou rindo para ele e respondeu:
- Acorde tonto, você está sonhando.



SOB A MARQUISE


SOB A MARQUISE
A chuva caía forte na tarde. Saí do banco desprotegido então parei sob uma marquise. Logo estávamos em mais de dez, entre mulheres e homens. Tentei puxar conversa para passar o tempo enquanto descia o aguaceiro. Todos usavam máscaras de carranca e não queriam papo, absorvidos em suas complicadas vidas. Fiquei na minha, pensando em coisas boas que ainda teria no dia, como visitar minha mãe e comer pão caseiro da hora. Não demorou e meu motorista chegou, deixando todos ali perplexos. Embarquei no meu Rolls Royce sob abanos tímidos e sorrisos falsos dos companheiros de marquise.

Sunday, October 21, 2012

Poeminha


OBEDEÇO
Manda-me partir
Assim sem mais nem menos
Ainda nesta noite
Muito te amo ingrata
Porém não te peço arrego
Parto
Parto dividido
Uma parte de mim queria ficar
Mas meu amor próprio falou
Vá!

Miniconto- Falhou

FALHOU
O esquisitóide violento entrou no quadrado de madeira de arma em punho. Na cama viu um bípede peludo dançando ritmado sobre sua fêmea que suspirava alto. Tentou disparar os projéteis por seis vezes e nada. Falhas repetidas.  Irado, tentou contra sua própria cabeça, aí então funcionou e ele caiu morto. Os amantes ainda na cama marcaram a data de casamento.

Friday, October 19, 2012

O MANDÃO


O MANDÃO
História antiga da cidade de Barro Preto. Contam os velhos que havia na cidade um homem brabo que só o cão, o Coronel Artur Cerejeira. Mandava e desmandava, botava e tirava. Era diferente dos outros, não mandava matar, matava. Os cachorros perdidos faziam voltas para não encontrá-lo. Nem morrer ninguém morria sem ele mandar. Nem o vento soprava sem ele dar autorização. Certa feita o jovem Nicolau, na flor dos dezoito anos morreu de repente, doença não sabida. O Coronel ficou sabendo e foi ao velório já fulo da vida. Entrou, mandou parar com a choradeira e ordenou que o defunto se levantasse do caixão. Pois foi que o defunto se levantou  e saiu correndo. Nunca mais foi visto, dizem que só parou de correr em São Paulo. O povo que lá estava jura que é verdade. Vai saber...

SURUBA PAROQUIAL


SURUBA PAROQUIAL
Naquela tarde de sábado resolvi visitar meu amigo Severino que há muito eu não via. Cheguei à sua residência, bati algumas vezes e ninguém atendeu. Pousei a mão no trinco e hesitei. Vindo de dentro da casa ouvi gemidos. Chovia, olhei em volta e não nenhuma alma para me acompanhar. Forcei o trinco e percebi que a porta estava aberta. A casa estava às escuras, fui entrando devagar, passos miúdos e leves para não fazer ruídos. Na parte de baixo não encontrei ninguém, tudo em ordem. Novamente ouvi gemidos vindos do segundo piso. Subi as escadas e entrei na primeira porta que estava aberta. Visão do inferno. Lá estava Severino, pelado e algemado na cama, levando uma surra de chicote da Irmã Cacilda, também nua e usando botas de cano longo. Apavorado, fui saindo e fechando a porta devagar, foi quando ainda pude ver o pequeno guarda-roupa desabar e sair de dentro dele o padre Malaquias nuzinho e com um vibrador na mão.

Thursday, October 18, 2012

Poeminha- Vi tua foto no Face


Poeminha- Vi tua foto no Face

Depois de tantos anos sem te ver
Vi tua foto no Face
Estremeci
E foi o que bastou pra saudade bater
Para meu coração entrar em descompasso
E querer de novo o teu abraço
Sem demora
É só tu querer.


Wednesday, October 17, 2012

Não acontece nada


NÃO ACONTECE NADA
O sol está radiante. Uma borboleta da voltas e pousa na rosa. Maria arruma os longos cabelos e senta-se num banco do parque. O vento sopra. Uma folha morta despenca da árvore. Formigas apressadas entram no formigueiro. Crianças fazem alarido pelo gramado bem cuidado enquanto seus pais montam guarda. O vendedor de picolé limpa o suor do rosto com uma toalha branca sem mancha. Rugas verdes enchem suas pancinhas de folhas jovens. No céu azul, nuvens passeiam, de vez em quando ganhando sustos de aviões enormes. Um casal de namorado briga, outro troca carícias. Ao longe, na estrada, centenas de automóveis se empurram em busca de espaço. Um magrelo anda por ali montado em sua magrela. Um senhor careca passeia e contrasta com seu cão peludo. Pássaros gorjeiam, e quem ouve com o coração aplaude. Pois é, a vida chata, não acontece nada.

O Assalto


O ASSALTO
Era quase meio dia.  A porta foi do escritório foi forçada e dois homens entraram de armas em punho. O mais alto gritou: É um assalto, todos para o chão! Severino sem tirar os olhos do texto que estava digitando berrou: Então entra de uma vez seu filho da puta, fecha essa porta que está entrando um vento frio, não quero pegar um resfriado!   O bandido mais alto tirou os óculos escuros e fez menção de atirar, mas ao ver quem era apenas balbuciou... papai. Pediu sua bênção e foi assaltar o escritório ao lado.

Monday, October 15, 2012

Miniconto- Chamando Maria


CHAMANDO MARIA
O copo está  na mesa cheio de aguardente. Honório vê figuras duplas nos quadros pendurados, vê também o copo em duplicidade, talvez pensando que o conteúdo também seja duplo. Arrasta os chinelos, bate o joelho direito no canto do sofá, mas anestesiado pelo álcool não sente dor. Tanta cantar uma velha canção e a baba escorre, as palavras saem tortas. Seus olhos estão em brasa, seu hálito é fétido. Agora quer comer. Chama pela esposa Maria, que não vem. Xinga Maria de vaca velha, Maria não responde. Não contente, começa a quebra pratos e copos, atirando-os na parece. Chama Maria novamente, chamado que novamente não é correspondido. Derruba então a cristaleira e quebra as cadeiras no tampo da mesa. Um alvoroço. Chama Maria de cadela sarnenta e Maria então vem... Vem, mas não vem só, traz consigo um porrete de aroeira e manda a borduna sem dó. O destemido cai de quatro tastaviando à procura da porta de saída. Quer ir rumo ao deus dará. Antes de ganhar a rua já tem duas costelas quebradas e uma orelha caída. Fora da casa quis ficar em pé, porém uma porretada no joelho o deixou sem reação. Entregou-se. Para não apanhar mais prometeu comprar novos móveis e utensílios sem reclamar. E a  chamar Maria de meu bem.

Thursday, October 11, 2012

Miniconto- MON


MON
Mon está sentado na beira do abismo. Suas pernas balançam no ar chutando bolas invisíveis. Não se encontra mais consigo mesmo, é o dia de maior desespero. Olha para suas mãos calejadas, suas unhas sujas de terra e grita silenciosamente se tudo que fez valeu à pena. Retira do bolso da camisa e relê o telegrama que trouxe a notícia da morte de seu filho único. O punhal é cravado de novo, mais fundo. Não suporta. Basta. Deixa seu corpo pesado cair no abismo em busca da leveza da vida sem dor.

Wednesday, October 10, 2012

Miniconto- Solidários, mas não muito


SOLIDÁRIOS, MAS NÃO MUITO

Na segunda metade do século XXI uma grande epidemia dizimou metade do povo brasileiro. Nas pequenas vilas do nordeste em que a ajuda não chegou a tempo, os mortos dormiam nas ruas. Sem comida e sem remédios o povo fugia desesperado levando apenas algumas roupas...  

Saídos de uma pequena cidade do interior do Brasil vinte casais em fuga caminharam por mais de cinco mil quilômetros em busca de um lugar seguro para ficar. Unidos, todos se ajudaram nos momentos difíceis de enfermidades e fome. Repartiam bolachas e grãos de feijão. Nas horas de desespero e abandono um casal apoiava o outro, solidários e cheios de afeto. Enfrentaram juntos temporais e o pranto de saudade dos queridos mortos. Diante da desgraça pareciam irmãos de sangue. Aconteceu então o dia que a vintena de desterrados entrou numa fazenda abandonada e além de cadáveres por todos os lados encontrou uma maleta com mais de R$ 2 milhões de reais abandonada num canto. Enterraram os mortos e descansaram...

Planejaram que quando estivessem em um lugar definitivo dividiriam o montante em partes iguais. Foram dormir felizes com a esperança de um amanhã melhor. Durante a noite enquanto todos os demais dormiam o casal Marcoloto, com pés de pano, partiu levando o pequeno tesouro da comunidade. Quando acordaram e perceberam o insulto, ninguém reclamou. Contavam-se felizes por estarem todos livres da doença. Na vida não se pode ter de tudo.

Tuesday, October 09, 2012

Miniconto- Pesadelo


PESADELO
Acordo do meu pesadelo todo suado. Acendo a luz e bebo um gole d’água. Olho em volta ainda assustado. No meu sonho caio de uma sacada no colo do diabo. Mas pesando 140 quilos não dei chance ao capeta e o arrebentei todo. No chão, arfando irado e com os chifres quebrados ele deu o último suspiro dizendo:
- Elefante besta morando em apartamento...

Wednesday, October 03, 2012

Miniconto- Dia ruim

DIA RUIM

Ele acordou dentro do ataúde fechado. Acendeu a lâmpada e viu que relógio havia parado. Droga de relógio falsificado! Ninguém mandou fazer economia, ralhou consigo mesmo. Que horas serão? Dia ou noite? Apanhou uma bala de hortelã para dar um lustro no bafo, que estava horrível. Bateu o pó do smoking, fechou os botões e foi abrindo a tampa do caixão bem devagar. Percebeu que era noite e respirou aliviado. Foi à geladeira e tomou seu diário copo de sangue. Porra! Sangue azedo. Cuspiu diversas vezes querendo tirar o gosto, mas por azar cuspiu em cima do sapato novo. Irado, transformou-se em morcego e saiu batendo asas rumo ao Banco de Sangue em busca do desjejum.
- Está uma merda ser vampiro!