Wednesday, August 14, 2013

COIOTES URBANOS

COIOTES URBANOS

Quando o sol se põe
E antes mesmo da lua
Iluminar nossas ruas
Os pavorosos desentocam

Se aproveitando da escuridão
Espreitam suas presas 
Os coiotes urbanos

De olhos esbugalhados
Corpos trêmulos
São galhos secos enlouquecidos pelo vício.


Tuesday, August 13, 2013

DESESPERO

Na noite do desespero
A escuridão está só
Não há lua
Não há estrelas
Apenas existe a dor
Que como ondas em mar bravio
Ressurge mais forte para afogar de vez o meu coração.

Friday, August 09, 2013

FIM

FIM

A morte
O fim de tudo
O sono dos sonos
A paz eterna
A estaca do éter
No coração do egoísmo.

Monday, August 05, 2013

NOSSA VIDA

Num dia chovem rosas
Noutro cadáveres
O bem e o mal são finitos
Para nossa alegria ou tristeza
Depende apenas do momento que vivemos.

Thursday, August 01, 2013

O SUICIDA NO PENHASCO

Guilherme estava sentado na beira do penhasco pronto para se jogar. Os últimos dias não tinham sido fáceis para ele. A noiva o deixara no altar, havia perdido o emprego e um grande amigo dera um golpe nas suas economias. Olhando para o abismo parecia que uma voz melodiosa o chamava à paz. Mas pensando nas coisas boas que já vivera e na sua juventude resolveu desistir do infeliz intento após algumas horas ali. Decidido, ficou de pé pronto para voltar para casa. Iria se recuperar de tudo e a vida seguiria seu curso com risos e lágrimas. Era para ser assim... Mas nisso surgiu um touro bravo nas suas costas e numa chifrada certeira o jogou nos braços da morte. Só deu tempo para dizer ai!

Justo naquele dia tinha ele que estar usando uma camisa vermelha.

Tuesday, July 30, 2013

PRESOS

Chaves
Trancas
Grades
Portões
Câmeras
Fios elétricos
Cacos de vidro
Ponteiras pontiagudas
Alarmes
Vigilantes
Cães

Não somos presos do medo?

Monday, July 29, 2013

POEMA MORTO

Repleto de plágios centenários
O longo poema estava pronto
E o poeta copião
Festejado pelos bajuladores
Porém surtou o revisor
Não conformado com tamanha afronta à arte
E deu fim à festança da mentira
Matando o falso poema com cinco tiros certeiros.


O ÚLTIMO PEDIDO

O momento da execução se aproxima
A corda está no pescoço do condenado
Irritando a fina pele
Ele olha então para o carrasco taciturno
E pede com extrema educação
Uma pomada antialérgica.



Wednesday, July 03, 2013

HUMANO


Estão lá
O céu
O sol
O horizonte sem fim
Mas por que meus olhos
Só visualizam os urubus?

SAFISTA


Helena é linda
Sendo bela é cortejada
Mas dos homens quer distância
É safista essa danada.

Monday, July 01, 2013

O DESABAFO DO FILÓSOFO QUE DORME SOBRE O CAPIM


“Ó ditadores de todos os matizes que ostentam brilhantes medalhas imerecidas, comendas e adjetivos superlativos; vós que sois usurpadores da liberdade de pensar diferente e do direito de ir e vir; vós fedeis mais que matéria fecal; confesso que tenho pena dos vermes que um dia comerão vossas carnes, pois restarão para eles apenas a indigestão e o vômito.”(Filosofeno)

O RETORNO DOS ESPELHOS

O RETORNO DOS ESPELHOS

Anilda, 26 anos, morena, não que fosse feia, mas se achava. Sempre se punha defeitos. Por este motivo certo dia mandou retirar todos os espelhos da casa e pôs óculos escuros no marido. Só saía à rua disfarçada de homem, até bigodes usava. Não tinha amigas, vivia reclusa por não ter auto-estima. Na sua cabecinha era a mulher mais feia do planeta. Não poderia jamais ser feliz com esta maneira de pensar. Porém um fato ocasionou uma mudança radical na sua maneira de agir.  Anilda tomava banho numa tarde de maio quando o telhado do banheiro desabou, e junto dele veio Amauri, o filho do vizinho de 15 anos. Com ela pelada na sua frente, ainda assustado, confessou ser seu admirador, e que diariamente a espionava no banho fazendo certos maroteamentos. Ela ficou tão lisonjeada que nem brigou com o menino, sentiu-se uma gata. Mandou ele para casa e no mesmo dia foi comprar espelhos novos.

Friday, June 28, 2013

DESPACHO NA MINHA RUA


Há um despacho na minha rua
Na minha rua há um despacho
Gastou com frutas e charutos
O tonto tolo que passou na minha rua.

Tuesday, June 25, 2013

REFÚGIO


REFÚGIO
Mansa é a manhã que me recebe
No campo verde que a vista alcança
A montanha ao fundo é a guardiã
Deste lugar belo e silencioso
Cai uma fina garoa
Que é do meu gosto sempre
Sem alarde na sua calma e fria mão
Apaga o fogo da ira
Que em meu coração há pouco flamejava.


Wednesday, June 19, 2013

REALISTA


REALISTA
Tem início meio e fim
Assim é a vida
Não adianta acalentar algo diferente
Perda de tempo só
Imortalidade fica apenas nos papéis
Melhor viver cada dia como se último fosse
E esperar a dona da foice com o coração em paz.

Monday, June 10, 2013

ZOÓLATRA



ZOÓLATRA

Conheci uma deusa loura
Numa festa de amigos
Meus olhos grudaram na pessoinha
Meu coração caiu de amores
Ficamos juntos por algum tempo
Até eu descobrir que ela era zoólatra
E como não sou cão nem gato
Pouco tempo depois
Recebi um pontapé na bunda.


FARDO



FARDO
O fardo está pesado
Não quero mais carregar sobre os ombros o peso do mundo
Meus erros paguei com o remorso
Mal para ninguém faço
Quero uma sombra para repousar
E curtir com leveza o passar do dias
Pois as pedras que há muito carrego
Curvaram-me perante os homens.

LONGE


LONGE
Estou sentado sobre pedras num fim de mundo
O sol se põe
Desce a noite
Pirilampos passeiam
Sapos coaxam
Para passar o tempo
Eu tento contar estrelas
Que é um trabalho inútil
Fico então a ouvir
Os ruídos e silêncios da mata
Que acalmam meu coração
Esgotado da vida na metrópole.

Friday, June 07, 2013

URUBUS NA ÁRVORE


URUBUS NA ÁRVORE

Há urubus na árvore seca
Mirando o meu corpo esquálido durante dias
Peço calma aos amigos
Que não tenham pressa
Pois sozinho neste sertão
Não terei coveiro
E sobrará para eles
O grande prazer
De dar fim às minhas carnes.



NADAS


NADAS

Somos insignificantes para o universo
Um nada no todo
Mas diante de alguns valores da sociedade humana
Alguns seres se embriagam na fonte da vaidade
E vão construindo pela vida castelos de areia
Que se desmancham com o sopro da morte.


Thursday, June 06, 2013

NENHUM BUTIRÁCEO


NENHUM BUTIRÁCEO

Mesa posta
No meio da tarde
Pão seco
E café preto doce
Nenhum butiráceo
Cobrindo o pão seco
Mas quando a fome é grande
Pouco importa o engasgo.


Wednesday, June 05, 2013

PAULO TOALHA


PAULO TOALHA

Salvo uma tendência à preguiça Paulo não demonstrava nenhum sintoma de anormalidade. Atendia os clientes sem muito entusiasmo, mas não tratava mal ninguém. Cumpria seus horários, embora às vezes dormisse sentado. Porém um dia chegamos à conclusão que o colega não estava batendo bem da cabeça. Numa manhã visitou o banheiro exclusivo do proprietário, e na falta de papel higiênico limpou o rabo com a toalha de rosto do chefe. Pior não foi isso: dependurou a tolha de volta no suporte, embora estivesse meia centena de toalhas na despensa ao alcance das suas mãos para trocar a dita suja. Nem o patrão acreditou em tamanha barbaridade. Deu um sermão no jovem e não o mandou embora. Trancou o banheiro a chave e marcou uma consulta para ele. Daquele dia em diante nosso colega passou a ser chamado de Paulo Toalha. Pegou.

*Não é ficção, aconteceu numa empresa em que eu trabalhava no ano de 1979.

Monday, June 03, 2013

O VULCÃO INERTE


O VULCÃO INERTE
                           
O mau não mais teme a lei
O mau ri dos homens de toga
O mau afoga suas vítimas na violência gratuita
E sai rindo com deboche
Quando se instalará o caos não sabemos
Mas a verdade é que quando o estado está ausente
Um vulcão que parece inerte
Imerge de repente das ruas
Numa grande explosão de fúria
Apronta o cadafalso
Enforca por conta o maldito
E corre pelas ruas gritando
Queremos mais um!

CARTA AO COVEIRO MUNICIPAL


 Caro Senhor Coveiro:
Sou um esqueleto que descansa há muito no cemitério desta Graça Maior. Não quero mais ficar aqui, cansei desta vida solitária, desejo sair correndo por aí, sentir novamente o ar puro; ouvir o murmúrio das ruas; o perfume das mulheres; o cantar dos pássaros e ver a chuva fresca caindo do céu. Antes de ser monte de ossos dei duro na vida para conseguir minhas coisas, só eu sei. Fiquei sabendo que a moleza está grande aí fora, tem um tal bolsa-família que anda sustentando milhões de bocas necessitadas e outros milhões de vadios. Já consegui liberação de São Pedro para voltar ao mundo dos vivos, mas antes preciso de uma bolsa assim, para ficar numa boa. Sou 743 do Setor F.
Meu nome é Setembrino Gomes, 17/02/1939. Peço que fale com o prefeito e dê uma força para este amigo oculto de tantos anos.
Grato.

Friday, May 31, 2013

E NÃO É?


Vivemos na era da mediocridade
Da política rasteira
Quase ninguém escapa
Desta pasmaceira
Quando o vivente votado não é asno
É inteligente e bagaceira.

Thursday, May 30, 2013

DIPSOMANÍACO


DIPSOMANÍACO

Havia na casa de campo da família
Trinta litros de aguardente
Durante os primeiros quinze dias do mês
Ficaram todos vazios
Os funcionários ficaram apavorados
Mas a patroa os tranquilizou
Dizendo que o patrão era dipsomaníaco
Ninguém entendeu nada
Porém eles ficaram com a certeza
De que tinham um patrão pinguço.

O MAU MAL


O MAU MAL
O mau sentia-se muito bem fazendo o mal. Não se cansava de fazê-lo, sorria por dentro. Mas chegou o dia em que mau ficou mal e não sorriu nem por dentro e nem por fora. Ocorreu quando ele foi sentado forçosamente na cadeira elétrica e torrado.

NÃO DEU PIRÁU

NÃO DEU PIRÁU

Panela no fogo
Banha se derretendo
Milho pipoca tomando banho
Esquenta
Pula daqui
Pula dali
Desabrocham as branquinhas
Para conhecer um novo mundo
Pipoca seca
Pipoca boa
Não deu piráu.

CONTRABALANÇANDO


CONTRABALANÇANDO

A cachorrinha da dona Cleusa saía todo dia de sua casa e ia elegantemente fazer seu cocô matinal na grama limpa e verde do vizinho. Reclamar ele reclamou, mas seus apelos foram em vão. Era um homem gentil, detestava discussões e intrigas. Digamos que era um cavalheiro. Com o tempo achou que o negócio tinha passado dos limites. Resolveu ele também comprar um animalzinho de estimação para contrabalançar. Não foi fácil, mas conseguiu. E assim toda manhã ele saía de casa com seu elefante de estimação para fazer cocô no belo gramado do vizinho.

LEZÍRIA


LEZÍRIA

A chuva amainou
Então o rio bravo murchou
E voltou para seu leito
Deixando a lezíria úmida
Aproveitando o sol da tarde.

INFÂNCIA NO PECADO



INFÂNCIA NO PECADO

Já rezei de pé
Deitado e ajoelhado
Perdi noites sem conta pensando no pecado
Sofrendo sem cessar pela salvação
Hoje sou feliz e não rezo
Nem mesmo deitado
E se é para perder minhas noites
Perco praticando o que diziam outrora ser pecado.

MADRUGADA


MADRUGADA

Gosto da madrugada
A madrugada nos subúrbios
Quase silenciosa
Não fosse pelos cães
Gatos
Galos
E alguns bêbados voltando para casa
A madrugada é a noite dormindo
E paradoxalmente é a companheira dos insones.



MOSCAS


MOSCAS
Duas belas moscas entraram no bar Veludo Azul e foram até o balcão. Pediram pão com mortadela e maionese. O dono do estabelecimento olhando para baixo disse rispidamente que não atendia moscas no seu estabelecimento. Elas então mostraram suas identificações: eram moscas da Vigilância Sanitária. Foram educadamente servidas e não autuaram o dono, embora fosse bem imunda a espelunca.

O PORRE DA DULCE BEATA


O PORRE DA DULCE BEATA
A Dulce beata
Tomou um porre na quermesse
E ouve lá quem dissesse que era paixão por um sacerdote
Por sinal um rapazote
A Dulce com o porre foi ficando de língua solta
E jogou pra cima suas ferramentas orais
Derrubou na igreja flores e castiçais
E acabou até ofendendo um compadre
E no larga e segura
Tirou sua calcinha
E foi sentar-se no colo do padre.


PASSANDO MAL


PASSANDO MAL

Paulo entrou na tarde de sábado tomando cerveja. Entre salgadinhos e conversas bebeu alguns litros da fermentada e ficou mal. Foi ao banheiro e quase vomitou o bucho. Ao ver no vaso aquelas coisas vermelhas pensou estar pondo para fora o fígado. Chamou por socorro como um desesperado e os amigos o acudiram. Já estavam prontos para ligar para o SAMU quando Gerson que estava sóbrio disse-lhes que aquelas coisas vermelhas no vaso não eram pedaços de fígado, mas apenas tomates. Um fiasco foi evitado.

VAI MARIA


VAI MARIA

Segue agora pela rua principal da cidade o enterro da Maria Linguaruda. A família acompanha caminhando, olhares cabisbaixos. São poucos os amigos presentes. O padre Celso vai à frente puxando as orações. Mal o caixão adentra ao cemitério pipoca o foguetório na praça, o chope rola. O povo comemora a viagem da finada. Os carregadores do esquife trocam olhares com o padre esperando pela deixa. Mal o caixão é colocado no buraco o padre sapeca:
- Vai Maria, amém.
Ficaram no cemitério só o avô e o coveiro. Ô sede!

MADAME TANIA


MADAME TANIA

Madame Tânia
Migrou da Albânia
Numa crise momentânea
Trouxe consigo os filhos
Fiodor e Melânia
Para montar uma casa
Da mais pura infâmia
Mas quando surgiram os lucros
Houve cizânia
Entre Fiodor e Melânia
Madame Tânia aborrecida
Voltou à Albânia.

Tuesday, April 23, 2013

NO CHÃO

NO CHÃO
Estando parado eu não me encontro
Andando ainda menos
Então eu caio e fico inerte como um defunto
Esperando talvez pelo pranto de uns poucos
Falso morto
Às vezes pisco os olhos
Para espantar os urubus.

BAÚ


BAÚ
Abri um velho baú
Cheio de rasgos e pó
Tirei dele uma velha carta de amor
Daquelas amareladas pelo tempo
Ao abri-la senti o calor
Do abraço da saudade
Mas ao lê-la percebi
Que os nossos sonhos são temporais
E que não sobrevivem à realidade da vida.

Thursday, April 18, 2013

VIVER


VIVER
Viver...
Viver é se importar
É colocar o coração na estrada.
Viver é olhar em volta
E observar se alguém está chorando.
Viver é saber
Que o ser humano não pode ser apenas estatística.
Viver é procurar ser justo
E ter sempre uma palavra de carinho na dor de outrem.
Viver é aprender a cada dia
Uma nova lição.


A POMBA DA DONA CLONI E OS GAFANHOTOS


Uma nuvem negra se formou no horizonte e vinha na direção das plantações de milho do seu Anacleto. Mas não era chuva que se aproximava, mas sim uma nuvem de gafanhotos com milhões de gafanhotos famintos. Seu Anacleto coçou a cabeça pensando no que faria para espantar tantos bichos. Ai meu milho! Ele não usava pesticida, teria que ser de outro jeito. Os danados estavam chegando, precisava pensar rápido. Mandou então chamar sua esposa, e para espanto de todos disse para ela ficar nua no meio da plantação. Dona Cloni ficou um pouco contrariada, mas foi no pelo para dentro do milharal. A nuvem de gafanhotos fez menção de atacar, mas seguiu em frente, não parou. O agricultor sorriu feliz, tinha acertado. Dona Cloni queria saber então o porquê de mandar ela para dentro do milharal.  Disse ele:
- Ora mulher, é tudo uma questão de lógica. Como você não é muito chegada a tomar banho, mal que te acomete há anos, o cheiro da tua pomba já matou um pinto, que por sinal foi o meu. Deduzi então que se o cheiro da tua pomba matou um pinto, como não mataria gafanhotos que são bem menores?

Wednesday, April 17, 2013

“Embarquei minha saudade nas asas de um passarinho. Lá vai ela visitar você.” (Mim)

VOA


VOA

Abri a torneira do meu pocinho de lágrimas
Para chorar de saudade de você
Mas é um choro bom
Que só revela a grandeza deste sentimento
E canto
Voa meu passarinho
Voa
Vai fazer teu ninho
Mas não se esqueça
Que sempre estarei aqui
Pronto para te aconchegar sob minhas asas.

EXEMPLAR


EXEMPLAR

Até os trinta anos Vitor viveu por conta dos pais. Eles mortos resolveu procurar emprego. Conseguiu de vigia diurno numa grande empresa de pneus. Trabalhou bem os primeiros sete dias. No oitavo dia tirou folga por conta própria. No nono dia pediu um vale pela manhã e adiantamento de férias pela tarde. No décimo dia chegou à conclusão que trabalhar era cansativo. No décimo primeiro saiu do emprego e foi atrás de criar um sindicato. Ufa!

CANSOU DE SER GENTE


CANSOU DE SER GENTE

Naquele dia Arnaldo estava se sentindo um traste. O céu era marrom, a saliva tinha fel. Queria um abismo só para chamar de seu. Chegou em casa e foi direto para o canil. Mandou o Duque para dentro da residência se deitou na morada do cão. Espreguiçou-se, lambeu os beiços e passou a roer um osso. Antes da meia-noite já estava latindo para os passantes.

A BARATA


A BARATA

Roberto dormia nu enquanto uma barata passeava sobre seu corpo. Ainda sonolento sentiu o toque do bicho nojento na sua pele. Mandou um tapa daqueles do vivente trocar de orelhas. Errou do bicho e acertou em cheio o próprio saco. Caiu da cama desmaiado de tanta dor. A barata ainda ria quando o corpo dele tombou sobre ela. Ploc! Ponto para nós.

CHAPEUZINHO PT


CHAPEUZINHO PT
Era uma vez uma menininha chamada Chapeuzinho PT. Morava próxima da mansão da vovó e toda semana a visitava. Nas conversas com a vovó ficava metendo o pau Lobo Mau; também na escola, nos jornais, na televisão. O Lobo Mau era então o mal do mundo. Passado algum tempo a vovó morreu e Chapeuzinho herdou sua mansão e terras. E sabe quem ela foi buscar no Maranhão para ajudá-la administrar a herança? Pois é, o Lobo Mau.

O LENÇO


O LENÇO

Todo pessoal do escritório foi convidado para a festa de aniversário do Joel. Coisa simples, um arroz com galinha para a data não passar em branco. João comeu que se fartou e bebeu três copos de vinho. Lá pelas tantas sentiu um nó nas tripas e correu para fora à procura de um banheiro. O banheiro era uma casinha de madeira no fundo do lote, que se chegava por um carreirinho de pedras. João entrou correndo para se desapertar. Não havia luz, e pior, terminado o serviço não havia papel. E agora? Sair com a bunda suja não dava. João lembrou que trazia no bolso da calça um daqueles lenços que mais parecia um lençol de tão grande. Passou o lenço no rego, dobrou direitinho e na saída jogou o tal num canto entre folhagens. Passados alguns do jantar comemorativo, uma gripe danada passou pelo escritório pegando todo mundo. E não foi outro senão o próprio João que observou quando o colega Joel sacou o lenço abandonado entre as folhagens e assuou o nariz.

TREINAMENTO


TREINAMENTO

Tarde de sábado. Sol quente, pouco movimento pelas ruas. Vera Lucia estava deitada sobre tábuas no porão aberto e fresco da grande marcenaria. Saia levantada, calcinha de lado e treinando o revezamento de vizinhos, no caso seis por um. Quando todos os atletas treinaram, ela foi embora satisfeita, mas com a perereca ardida.

SONHOS


Eu sonho
E sonho sonhos tão meus
Mas ao realizar meus sonhos
Meu povo amado
Quero realizar também os sonhos teus.

Monday, February 04, 2013

NAUPATIA

NAUPATIA

Estou em viagem pelo Caribe
Almoço ao lado do comandante
O balanço do navio me traz naupatia
Chamo pela mãe, vó e tia
Naupatia
Não tem jeito
Vomito no colo do comandante.

DESESPERADOS


DESESPERADOS
Uma multidão corria pelas ruas em pranto. O desespero era visível nos olhos e expressões dos famintos por paz. Mulheres e homens jogavam-se ao chão asfáltico raspando os rostos no solo íngreme que causava ferimentos dolorosos. Meninotas e meninotes também faziam parte da turba de tresloucados. Povo fugindo da guerra? Terremoto? Não! Derrota futebolística.

MINHA CAMISA DE NANZUQUE


MINHA CAMISA DE NANZUQUE

Foi numa tarde quente de sábado
Vesti minha camisa nova de nanzuque e saí à rua todo pachola
Parei na esquina para tomar sorvete
O sorvete derreteu depressa e manchou minha camisa de nanzuque
Voltei para casa
Fui ao tanque
Exagerei nos produtos de limpeza
E disse adeus à minha camisa de nanzuque.

Monday, January 28, 2013

O PERFEITO AVARENTO


O PERFEITO AVARENTO

Uma carta anônima recebida pelo Promotor Público Roberval Sintra levantou suspeita de envenenamento na morte do senhor Demóstenes Sotero, fazendeiro mais conhecido na sua cidade como o “perfeito avarento”. Homem de muitas posses, sua viagem sem retorno seria interessante para muitos parentes, mas não foi. Esperavam pela herança que não veio. Fez doação de todos os seus bens para suas amantes. Aos parentes, nada. O juiz Carlos Raul então determinou que o corpo fosse desenterrado para nova perícia. Cidade pequena, grande assunto. O povo, sempre curioso, invadiu o cemitério. Até parecia quermesse paroquial.  Não faltaram vendedores de garapa, picolé e milho verde; moças de vestidos novos e lábios vermelhos. Quando foi aberto o caixão, surpresa para todos: O corpo estava deitado de lado, a língua de fora, como se estivesse assim para molhar os dedos e contar dinheiro. Em suas mãos havia milhares de reais em notas mofadas e puídas. Moedas de ouro pularam dos bolsos quando mexeram com ele. Alguns parentes, espichando os olhos, contavam com tristeza a pequena fortuna que poderia ser deles. Alguns até choraram. Porém nada foi constatado e o assunto foi encerrado. Passado alguns anos, só os parentes em suas conversas reservadas, lembram ainda com saudade doída daquelas notas, daquelas moedas...

Saturday, January 26, 2013

É PRECISO DUVIDAR


É PRECISO DUVIDAR

Quem não duvida
Engole o pronto
Gosto é gosto
Não se discute
Absorvido o pronto
O pensar não repercute
Morre no ser que o recebeu
Como verdade absoluta.

PODER


PODER
O poder se assenta sobre a mentira
Mentira dita
Mentira repetida
Mentira que se torna verdade
Propaganda é a alma
Faz o povo se sentir num virtual paraíso
Não é fácil aceitar tudo isso
Pois quando eles chegam lá
Pegam gosto pela coisa
E não querem mais tirar os beiços da teta
O poder causa grandes comichões
E fantásticas comissões.

URNA

URNA

Entra o voto
No Celso ou no Otto
Às vezes também muda o traje e a foto
Porém no sistema miau nada muda
Isso eu bem noto.

CIRROSE

CIRROSE

No embalo de todo os dias
À embriaguez ele não renuncia
O corpo abre os olhos
Já pedindo glicose
Ou mesmo uma nova dose
Enquanto pacientemente espera pela cirrose.

MOTOARMA

MOTOARMA

Morteciclista
Arma na mão
O capacete esconde o rosto
Sua arma mostra o coração.

Friday, January 25, 2013

POEMINHA

LADRÃO
Tem um ladrão na sala
De diversas polegadas
Fica por horas roubando o seu tempo
Normalmente sem nada a acrescentar
Enquanto os bons companheiros
Apanham poeira na estante.

Thursday, January 24, 2013

ESTRESSADO

ESTRESSADO

O guarda - rodoviário Nestor não estava num bom dia. Talvez fosse pela noite mal-dormida, pelos problemas de saúde da mulher, ou pela insatisfação salarial que sentia. Há meses que suas noite eram atormentadas pela insônia, nem mesmo os medicamentos o ajudavam. Preocupações demais, sono de menos.
As horas se passavam pesadas e cansativas nesse dia cinzento que anunciava chuva. Quando teve que parar um motorista que voava baixo pelo asfalto, Nestor não pensou duas vezes antes de agir. Aproximou-se e tirou o sujeito do automóvel a tapas, ainda fez ele se despir e correr nu pela estrada. Puro abuso de autoridade. Depois disso atirou nos pneus do veículo e foi para casa bocejando.

POEMINHA

ESTÁS DENTRO?
O obstruído mental bebe sua cerveja/iogurte/refrigerante enquanto dirige
Então atira o vasilhame no asfalto.
Nada se compara a ser energúmeno e porco.

POEMINHA


LUTO

Apaga-se a própria vida
Pela dor da ausência
Vive-se mais o morto
Que os vivos nas cercanias
Não existe luta contra o luto
Apenas cobre o coração com ele.

POEMINHA


TEMPORAL

Nuvens baixas
Ventos quentes
Escuridão que amedronta

Ele adentra ao porão
E faz seu refúgio
Sob uma velha mesa.

O temporal uiva e assopra
Enquanto o coração do pequeno
Explode de medo e sai pela boca.

Friday, January 18, 2013

PARA QUEM DITA AS DORES

“Ó ditadores de todos os matizes que ostentam brilhantes medalhas imerecidas, comendas e adjetivos superlativos; vós que sois usurpadores da liberdade de pensar diferente e do direito de ir e vir; vós fedeis mais que matéria fecal e confesso que tenho pena dos vermes que um dia comerão vossas carnes, pois restarão para eles apenas a indigestão e vômito.”(Filosofeno)

ESPERANÇA


ESPERANÇA
Formigas caminham pela varanda completamente despreocupadas enquanto um cão preguiçoso boceja deitado satisfeito na cerâmica fria. Nuvens passeiam pelo céu, sem pressa. O sol vespertino é forte; o verde das árvores se destaca; o cantar dos pássaros presos é triste. Alados libertos cruzam os ares fazendo alarido e lamentando a má-sorte dos irmãos engaiolados. Não tem jeito, quem está na gaiola canta de tristeza, mas os obtusos pensam que é de alegria. Quem canta seus males espanta; eles sabem disso mais do que ninguém. Uns poucos ainda olham para cima com esperança de um dia poder novamente voar. A esperança, sempre ela, junto do ser até o derradeiro suspiro.

ABISMO

ABISMO

Há uma porta aberta no fim do corredor. O ambiente é convidativo, a energia do grupo contagia os novos chegados; cânticos e louvores são ouvidos e inflamam corações. A maioria dos presentes passa pela porta ciente que é dono da verdade futurista. Por livre vontade caem então no abismo da exploração do qual poucos voltam. Os louvores e valores continuam.

Monday, November 26, 2012

O RELÓGIO


O RELÓGIO
Jarbas e Jardel brincando no bosque encontraram um relógio, o relógio do tempo. Cheios de curiosidade foram mexendo nele, descobrindo seus mecanismos. Fizeram-no então parar e descobriram em poucos dias que o tempo não mais existia para eles. Jogaram então o relógio do tempo num abismo e foram viver eternamente suas vidas como crianças.

PROFISSÃO MENDIGO

PROFISSÃO MENDIGO
É pouco depois da hora de almoço. Homem maltrapilho está deitado no banco da praça, descansando, suado e atraindo moscas. Ninguém o vê, todos passam sem notá-lo. Antes das duas da tarde ele fica em pé e caminha até a esquina. Senta-se na calçada e estende o boné para angariar esmolas. Assim passa o resto do dia. Quando os sinos da catedral batem seis horas ele recoloca o boné na cabeça. Logo surge um Corolla preto, o motorista desce e pergunta para ele:
-Vamos patrão?

Saturday, November 03, 2012

Apertando os olhos


APERTANDO OS OLHOS

Tarde amena. O homem olhava pela janela do apartamento que visitava interessado em comprar. Estava ele no décimo andar. Observava no prédio vizinho uma mulher que se despia em frente ao espelho. Logo surgiu um jovem que começou a beijá-la sem parar. Cheio de curiosidade continuou olhando para ver no que dava. Deitaram-se na cama, ele ainda vestido. Resolveu ligar para sua mulher para contar o que estava acontecendo. A mulher pelada largou o jovem e apanhou na bolsa o celular que tocava. Foi aí que ele franziu o cenho e apertou os olhos para tentar enxergar com maior clareza quem era ela.

Thursday, October 25, 2012

O VOO


O VOO
Tomas dormia durante o voo. A aeronave estava em velocidade de cruzeiro quando ele acordou. Após olhar detalhadamente em volta percebeu algo estranho. Naquele voo pareciam estar reunidas inúmeras pessoas famosas já falecidas. Ao seu lado, por exemplo, estava um passageiro que era sósia do Mahatma Ghandi. Do outro lado do corredor viu com clareza Airton Senna gargalhando ao brincar com amigos. Alguma coisa diferente acontecia. Quando foi ao banheiro deu de frente com uma pessoa muito conhecida aos católicos, o Papa João Paulo II, que pelo dizeres do crachá era o co-piloto do avião. Quando Madre Tereza de Calcutá, uniformizada de aeromoça passou com o carrinho de lanche pelo corredor, Tomas ficou pálido e perguntou ao senhor ao lado o que estava acontecendo naquele avião. O ancião olhou rindo para ele e respondeu:
- Acorde tonto, você está sonhando.



SOB A MARQUISE


SOB A MARQUISE
A chuva caía forte na tarde. Saí do banco desprotegido então parei sob uma marquise. Logo estávamos em mais de dez, entre mulheres e homens. Tentei puxar conversa para passar o tempo enquanto descia o aguaceiro. Todos usavam máscaras de carranca e não queriam papo, absorvidos em suas complicadas vidas. Fiquei na minha, pensando em coisas boas que ainda teria no dia, como visitar minha mãe e comer pão caseiro da hora. Não demorou e meu motorista chegou, deixando todos ali perplexos. Embarquei no meu Rolls Royce sob abanos tímidos e sorrisos falsos dos companheiros de marquise.

Sunday, October 21, 2012

Poeminha


OBEDEÇO
Manda-me partir
Assim sem mais nem menos
Ainda nesta noite
Muito te amo ingrata
Porém não te peço arrego
Parto
Parto dividido
Uma parte de mim queria ficar
Mas meu amor próprio falou
Vá!

Miniconto- Falhou

FALHOU
O esquisitóide violento entrou no quadrado de madeira de arma em punho. Na cama viu um bípede peludo dançando ritmado sobre sua fêmea que suspirava alto. Tentou disparar os projéteis por seis vezes e nada. Falhas repetidas.  Irado, tentou contra sua própria cabeça, aí então funcionou e ele caiu morto. Os amantes ainda na cama marcaram a data de casamento.

Friday, October 19, 2012

O MANDÃO


O MANDÃO
História antiga da cidade de Barro Preto. Contam os velhos que havia na cidade um homem brabo que só o cão, o Coronel Artur Cerejeira. Mandava e desmandava, botava e tirava. Era diferente dos outros, não mandava matar, matava. Os cachorros perdidos faziam voltas para não encontrá-lo. Nem morrer ninguém morria sem ele mandar. Nem o vento soprava sem ele dar autorização. Certa feita o jovem Nicolau, na flor dos dezoito anos morreu de repente, doença não sabida. O Coronel ficou sabendo e foi ao velório já fulo da vida. Entrou, mandou parar com a choradeira e ordenou que o defunto se levantasse do caixão. Pois foi que o defunto se levantou  e saiu correndo. Nunca mais foi visto, dizem que só parou de correr em São Paulo. O povo que lá estava jura que é verdade. Vai saber...

SURUBA PAROQUIAL


SURUBA PAROQUIAL
Naquela tarde de sábado resolvi visitar meu amigo Severino que há muito eu não via. Cheguei à sua residência, bati algumas vezes e ninguém atendeu. Pousei a mão no trinco e hesitei. Vindo de dentro da casa ouvi gemidos. Chovia, olhei em volta e não nenhuma alma para me acompanhar. Forcei o trinco e percebi que a porta estava aberta. A casa estava às escuras, fui entrando devagar, passos miúdos e leves para não fazer ruídos. Na parte de baixo não encontrei ninguém, tudo em ordem. Novamente ouvi gemidos vindos do segundo piso. Subi as escadas e entrei na primeira porta que estava aberta. Visão do inferno. Lá estava Severino, pelado e algemado na cama, levando uma surra de chicote da Irmã Cacilda, também nua e usando botas de cano longo. Apavorado, fui saindo e fechando a porta devagar, foi quando ainda pude ver o pequeno guarda-roupa desabar e sair de dentro dele o padre Malaquias nuzinho e com um vibrador na mão.

Thursday, October 18, 2012

Poeminha- Vi tua foto no Face


Poeminha- Vi tua foto no Face

Depois de tantos anos sem te ver
Vi tua foto no Face
Estremeci
E foi o que bastou pra saudade bater
Para meu coração entrar em descompasso
E querer de novo o teu abraço
Sem demora
É só tu querer.


Wednesday, October 17, 2012

Não acontece nada


NÃO ACONTECE NADA
O sol está radiante. Uma borboleta da voltas e pousa na rosa. Maria arruma os longos cabelos e senta-se num banco do parque. O vento sopra. Uma folha morta despenca da árvore. Formigas apressadas entram no formigueiro. Crianças fazem alarido pelo gramado bem cuidado enquanto seus pais montam guarda. O vendedor de picolé limpa o suor do rosto com uma toalha branca sem mancha. Rugas verdes enchem suas pancinhas de folhas jovens. No céu azul, nuvens passeiam, de vez em quando ganhando sustos de aviões enormes. Um casal de namorado briga, outro troca carícias. Ao longe, na estrada, centenas de automóveis se empurram em busca de espaço. Um magrelo anda por ali montado em sua magrela. Um senhor careca passeia e contrasta com seu cão peludo. Pássaros gorjeiam, e quem ouve com o coração aplaude. Pois é, a vida chata, não acontece nada.

O Assalto


O ASSALTO
Era quase meio dia.  A porta foi do escritório foi forçada e dois homens entraram de armas em punho. O mais alto gritou: É um assalto, todos para o chão! Severino sem tirar os olhos do texto que estava digitando berrou: Então entra de uma vez seu filho da puta, fecha essa porta que está entrando um vento frio, não quero pegar um resfriado!   O bandido mais alto tirou os óculos escuros e fez menção de atirar, mas ao ver quem era apenas balbuciou... papai. Pediu sua bênção e foi assaltar o escritório ao lado.

Monday, October 15, 2012

Miniconto- Chamando Maria


CHAMANDO MARIA
O copo está  na mesa cheio de aguardente. Honório vê figuras duplas nos quadros pendurados, vê também o copo em duplicidade, talvez pensando que o conteúdo também seja duplo. Arrasta os chinelos, bate o joelho direito no canto do sofá, mas anestesiado pelo álcool não sente dor. Tanta cantar uma velha canção e a baba escorre, as palavras saem tortas. Seus olhos estão em brasa, seu hálito é fétido. Agora quer comer. Chama pela esposa Maria, que não vem. Xinga Maria de vaca velha, Maria não responde. Não contente, começa a quebra pratos e copos, atirando-os na parece. Chama Maria novamente, chamado que novamente não é correspondido. Derruba então a cristaleira e quebra as cadeiras no tampo da mesa. Um alvoroço. Chama Maria de cadela sarnenta e Maria então vem... Vem, mas não vem só, traz consigo um porrete de aroeira e manda a borduna sem dó. O destemido cai de quatro tastaviando à procura da porta de saída. Quer ir rumo ao deus dará. Antes de ganhar a rua já tem duas costelas quebradas e uma orelha caída. Fora da casa quis ficar em pé, porém uma porretada no joelho o deixou sem reação. Entregou-se. Para não apanhar mais prometeu comprar novos móveis e utensílios sem reclamar. E a  chamar Maria de meu bem.

Thursday, October 11, 2012

Miniconto- MON


MON
Mon está sentado na beira do abismo. Suas pernas balançam no ar chutando bolas invisíveis. Não se encontra mais consigo mesmo, é o dia de maior desespero. Olha para suas mãos calejadas, suas unhas sujas de terra e grita silenciosamente se tudo que fez valeu à pena. Retira do bolso da camisa e relê o telegrama que trouxe a notícia da morte de seu filho único. O punhal é cravado de novo, mais fundo. Não suporta. Basta. Deixa seu corpo pesado cair no abismo em busca da leveza da vida sem dor.

Wednesday, October 10, 2012

Miniconto- Solidários, mas não muito


SOLIDÁRIOS, MAS NÃO MUITO

Na segunda metade do século XXI uma grande epidemia dizimou metade do povo brasileiro. Nas pequenas vilas do nordeste em que a ajuda não chegou a tempo, os mortos dormiam nas ruas. Sem comida e sem remédios o povo fugia desesperado levando apenas algumas roupas...  

Saídos de uma pequena cidade do interior do Brasil vinte casais em fuga caminharam por mais de cinco mil quilômetros em busca de um lugar seguro para ficar. Unidos, todos se ajudaram nos momentos difíceis de enfermidades e fome. Repartiam bolachas e grãos de feijão. Nas horas de desespero e abandono um casal apoiava o outro, solidários e cheios de afeto. Enfrentaram juntos temporais e o pranto de saudade dos queridos mortos. Diante da desgraça pareciam irmãos de sangue. Aconteceu então o dia que a vintena de desterrados entrou numa fazenda abandonada e além de cadáveres por todos os lados encontrou uma maleta com mais de R$ 2 milhões de reais abandonada num canto. Enterraram os mortos e descansaram...

Planejaram que quando estivessem em um lugar definitivo dividiriam o montante em partes iguais. Foram dormir felizes com a esperança de um amanhã melhor. Durante a noite enquanto todos os demais dormiam o casal Marcoloto, com pés de pano, partiu levando o pequeno tesouro da comunidade. Quando acordaram e perceberam o insulto, ninguém reclamou. Contavam-se felizes por estarem todos livres da doença. Na vida não se pode ter de tudo.

Tuesday, October 09, 2012

Miniconto- Pesadelo


PESADELO
Acordo do meu pesadelo todo suado. Acendo a luz e bebo um gole d’água. Olho em volta ainda assustado. No meu sonho caio de uma sacada no colo do diabo. Mas pesando 140 quilos não dei chance ao capeta e o arrebentei todo. No chão, arfando irado e com os chifres quebrados ele deu o último suspiro dizendo:
- Elefante besta morando em apartamento...

Wednesday, October 03, 2012

Miniconto- Dia ruim

DIA RUIM

Ele acordou dentro do ataúde fechado. Acendeu a lâmpada e viu que relógio havia parado. Droga de relógio falsificado! Ninguém mandou fazer economia, ralhou consigo mesmo. Que horas serão? Dia ou noite? Apanhou uma bala de hortelã para dar um lustro no bafo, que estava horrível. Bateu o pó do smoking, fechou os botões e foi abrindo a tampa do caixão bem devagar. Percebeu que era noite e respirou aliviado. Foi à geladeira e tomou seu diário copo de sangue. Porra! Sangue azedo. Cuspiu diversas vezes querendo tirar o gosto, mas por azar cuspiu em cima do sapato novo. Irado, transformou-se em morcego e saiu batendo asas rumo ao Banco de Sangue em busca do desjejum.
- Está uma merda ser vampiro!

Sunday, September 30, 2012

Medo da morte

"Por que temes morrer? Medo do fogo, temor da escuridão sem fim? Uma mentira repetida bilhões de vezes a torna verdade? O inferno é a consciência atormentada pelo remorso. Corpo morto, não há trevas, não há fogo, não há paraíso, somente o nada, a paz de dormir sem acordar, sem pesadelos. É duro saber que não voltaremos e que não teremos ninguém nos esperando do outro lado, que não existe o outro lado, somente o lado de cá, dos vivos e também dos mais vivos, que estão por aí a vender uma mercadoria que jamais entregarão."
(FILOSOFENO, o filósofo que dorme sobre o capim)

Saturday, September 29, 2012

Miniconto- Carniça


CARNIÇA
O urubu percebeu um corpo inerte estendido na areia do deserto. Fez o reconhecimento e pousou o sobre o cadáver. Deu a primeira bicada, engoliu, sentiu náuseas e foi então que percebeu que o corpo que devorava pertencia a um general nazista carregado de medalhas. Fez cara de nojo e esbravejou: putz!

Miniconto- Não era meu parente

NÃO ERA MEU PARENTE
O sol se põe e há um homem morto caído no meio da rua. A multidão se aglomera para ver o cadáver. O povo gosta mesmo de ver a desgraça dos outros. Não existe sangue no asfalto, apenas um leve filete saindo do nariz do pobre. Uma bicicleta torta atirada ao lado já diz tudo. A mulher de blusa vermelha olha bem de perto para ver se não é um primo seu. O homem de camiseta amarela e boné branco também chega bem perto para ver se o reconhece. Nada. Vem o perito, faz os procedimentos e o leva embora. O atropelador, em casa, sossegado, toma mais uma cerveja. Dias depois, descoberto pela lei e questionado o porquê de não ter prestado socorro, diz: “Que importa? Não era meu parente”.

“No meu caminho havia um padre. Havia um padre no meio do meu caminho e depois na minha cama.” (Josefina Prestes)

Tuesday, April 24, 2012

Miniconto- METAMORFOSE

METAMORFOSE
Não importava o sol abrasador que torrava os miolos. Não importava o odor terrível que emanava daqueles latões de lixo, tanto que até urubus passavam por perto usando máscaras. Mas Demétrio não se importava; lá estava todos os dias mexendo em tudo, catingando ele próprio mais que os restos ali depositados. Seu corpanzil há anos não sabia o que era a carícia das águas que não fosse da chuva. Carregava moscas pelo rosto todos os dias, como se fosse um lotação de insetos, sendo algumas também embarcadas nas orelhas. Vivia, comia e dormia na imundície, lugar mais sujo impossível. O corpo adornado de perebas já nem se importava mais. Assim foi por muitos e muitos anos. Porém um dia acordou sentindo-se estranho, muito diferente. Olhou para algumas ratazanas com segundas intenções. Estava dentuço e peludo. Tinha agora os gostos de um rato, bigodes de rato, orelhas de rato, dentes de rato, enfim, transformara-se num rato. Ao contrário do caixeiro- viajante Gregor Samsa, de Kafka, o Demétrio rato estava feliz. E assim continuou vivendo por mais alguns dias até ser comido por um gato esfomeado.

Sunday, April 22, 2012

BLECAUTE

A cidade ficou às escuras por muitas horas. Um blecaute inexplicável tomou conta de toda área urbana, provocando o caos. Acidentes de trânsito, assaltos, quebra-quebra nas lojas, estupros e outras violências. A polícia não conseguia atender nem metade dos casos, para desespero dos cidadãos. Também milhares de vampiros foram liberados dos seus caixões e saíram às ruas em busca de sangue. A desgraça só não foi maior porque todos os bares de sangue permaneceram abertos.

ENQUANTO O MARIDO NÃO CHEGA

ENQUANTO O MARIDO NÃO CHEGA
A mesa estava posta. Soube pela vizinha que o marido ficara no boteco jogando baralho e bebendo pinga. Ela na janela esperava por ele, já passava das oito e nem sinal do dito. Estava toda maquiada e perfumada, bem a fim de uns amassos. E o maridaço no boteco tomando pinga, esquecido de casa. Esperou mais meia hora e como o especial não apareceu, abriu a porta do guarda-roupa e disse para o Ricardo sair; estava na hora do show.

Miniconto- Pedreiro e Corajoso

PROFISSÃO: PEDREIRO E CORAJOSO
Gilberto Antonio, profissão: pedreiro e corajoso. Fama tinha de valente e bravo. Não tinha medo de nada, enfrentava quem ou o que viesse no braço, no tiro ou no facão. Naquela tarde trabalhava solito no mais dentro do cemitério, na construção de um jazigo. Era final de tarde e o tempo estava nublado, querendo chover. O vento fazia barulho, balançava o arvoredo. Gilberto labutava num buraco de dois metros de profundidade, assentando tijolos e assoviando. O vento batendo e Gilberto assoviando feliz. Uma lona plástica preta cobria os materiais de construção como cimento e a cal. Naquele lugar de silêncio quase absoluto, uma rajada de vento mais forte levantou a lona e a jogou sobre Gilberto. Distraído, levou um tremendo susto, escureceu tudo, pensou: “é uma alma penada querendo me levar!” Saltou para fora do buraco como um gato assustado e correu mil metros tal qual um velocista, até chegar ao hospital. Prontamente atendido, foi constatado um princípio de infarto, mas não se sabe se foi pelo esforço da corrida ou pelo cagaço.

Miniconto- SUPERSTICIOSO

SUPERSTICIOSO
Virgulino era o cão de supersticioso. Sempre levantava da cama com o pé direito e não saí de casa sem antes saber do horóscopo. Naquela manhã caminhava pela rua do comércio quando se deparou com uma escada erguida e um gato preto debaixo dela. Não pensou duas vezes: saiu da calçada e contornou pela pista. Mas levou azar o Virgulino: foi atropelado por uma carroça puxada por um burro. No hospital, com pernas e braços quebrados, ficou pensando se não era ele quem deveria estar puxando a carroça.

“A grande função da leitura é libertar o homem de mitos e superstições.”(Janer Cristaldo)